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sábado, 29 de março de 2014

EU PENSO COMO OS 35%

A pesquisa do IPEA divulgada nos últimos dias sobre o pensamento do Brasileiro sobre Estupro e relacionamento com as mulheres não deve nos causar espanto e sim indignação. Estou Indignado como os outros 35% desde o dia que vi os primeiros resultados. O que as pessoas que responderam a pesquisa não sabem é exatamente o contrario. AS MULHERES ESTUPRADAS QUE NÓS ATENDEMOS EM NOSSOS SERVIÇOS ESPECIALIZADOS, NÃO ESTAVAM COM ROUPAS CURTAS. ELAS VINHAM DO TRABALHO OU DA ESCOLA. OBVIAMENTE COM AS ROUPAS QUE SE USA PARA TRABALHAR E ESTUDAR. O que esses homens e essas mulheres que responderam a pesquisa não sabem, é que elas correm o mesmo risco de serem violentadas, pois nossa experiência mostra que não é a roupa que define a escolha do estuprador. Uma pesquisa dessa, deve nos convocar a mostrar para esses 65% preconceituosos que o risco está exatamente em tentar culpabilizar a vítima ao invés de punir o agressor. Parece que estamos voltando aos anos setenta quanto Ângela Diniz no seu julgamento foi culpabilizada pelo seu próprio assassinato, quando o réu confesso Doca Street foi considerado inocente. Um absurdo. Espanta-me ainda mais a resposta MERECER SER ESTUPRADA, constar do rol de possibilidades apontada por uma pesquisa. Essa resposta não pode existir numa sociedade que acredita nas suas LEIS. O estupro é crime Hediondo, inaceitável em nosso país. Produz sofrimento mental para o resto da vida e pode trazer consequências físicas irreparáveis. A palavra MERECER nessa circunstancia aponta para uma possível punição por algo errado que essa mulher teria feito. É necessário compreender que embora com uma cultura machista, em nosso ordenamento Jurídico o ESTUPRO é considerado Crime desde 1940 quando o nosso código penal foi escrito. NÃO A PORQUE ALGUÉM MERECER UM CRIME. Nem as sociedades mais atrasadas admitem que alguém possa ser punida com um outro crime. Se há erro é desse homem que parece não compreender que se há alguma intensão em se mostrar ESSA INTENCIONALIDADE NÃO ESTÀ DIRIGIDA A ELE. E é ele que precisa compreender qual é o seu lugar, e o que ele merece. Temos construído a partir da diferença biológica que define os sexos um conjunto de valores, atitudes, normas e comportamentos, que são atribuídos a homens e mulheres, mas que não são naturais desses mesmos homens e mulheres. (PITANGUY, 2003) Aprendemos a ser homens e mulheres. Homens que não choram, e mulheres que não sobem em arvores. Homens que precisam de sexo, e por isso visitam e aprendem as virtudes do amor nas casas de prostituição ou com as ficantes e mulheres que devem guardar seu corpo para o seu amor, ou para seu príncipe. Reparar o dano do ponto de vista jurídico seria fácil não fossem as dificuldades para o julgamento do caso numa sociedade que tratava até alguns anos atrás esses crimes como de menor potencial de dano. Afinal a responsabilidade do agressor é clara. Resta à pessoa agredida, lidar com as consequências da experiência vivida. Entretanto, a multiplicidade de dimensões implicadas pelo prejuízo sofrido, a reparação suposta não se efetiva nem de forma parcial. Além da dificuldade de retomada da vida afetiva, do trabalho, dos estudos, temos observado que várias mulheres relatam um sentimento de culpa pelo acontecido. Sentimento esse que precisa ser compreendido no intricado relacionamento entre homem-mulher, macho-fêmea, masculino-feminino. Jurandir Freire (1984) conceitua culpa como uma resposta à uma infração do que se supõe seja uma norma reconhecida. Qual infração? Qual norma? (estar ai, naquela hora naquele lugar) Os seres humanos, assim como outros animais tem se esmerado para cumprir os rituais da sedução. Não há duvidas que homens e mulheres vão aos salões de beleza, compram roupas, cuidam do corpo, se vestem para os outros. São elementos que fazem parte da vida vivida por homens e mulheres. Esses elementos nos ajudam a compreender que frases como a essa hora, nesse lugar e vestida desse jeito... apontam claramente para uma idéia que existe uma mulher que não deveria estar ali, - ah! Ai está a infração, (o que aponta ao outro o direito perverso de estuprá-la, afinal a construção do masculino aponta para a permanência, de maneira escamoteada, da representação antiga do direito do macho, como troféu, e que vestida daquele jeito denuncia sua condição de mulher que, por direito pode endereçar a sedução para quem quer que escolha, mas que naquele momento, naquela hora não havia endereçado ao estuprador, ainda que ele assim acredite. Essa conjunção de elementos torna ainda mais sofrida as possibilidade de re-significação da cena e a retomada da vida. Temos percebido que o reconhecimento dessa trama é essencial para dar um novo significado para o acontecimento. Tudo isso fica mais difícil quanto mais introjetado está os pré-conceitos, as dúvidas sobre a versão apresentada nas delegacias e serviços, as dificuldades de reconhecimento dos direitos das mulheres de trabalhar, estudar, sair, namorar, dirigir suas energias para o que bem entendam e para quem desejem. A violência então não se resume ao ato sexual roubado. Mas vai além, passa pela desconfiança na historia contada por ela na delegacia ou no serviço de saúde, passa pela sua própria dúvida, se não deveria ter feito algo, já que a cobrança social impõe que ela tivesse feito algo para impedir o abuso. (talvez até não infringir a norma) É difícil falar em reparação, é difícil pensar que um acontecimento desses pode ser esquecido. Entretanto ele precisa ser re-significado, o estupro precisa ser compreendido como responsabilidade social, sua descaracterização como ato particular, individual, (problema dela), permitirá essa mulher compreender que não se trata de uma culpa sua. Não houve infração. Pois não há infração no usufruto do direito constitucional de ir e vir a qualquer hora e vestida como lhe convier. Ou na verdade como exige o trabalho, a escola, pois é vestida desse jeito que a maioria se encontra que estão no trajeto para o trabalho ou para escola. Toda violência como comportamento que precisa ser monitorado pela sociedade. Não pode ser tratado como natural. Coisa de homem, macho. Tratar desse tema é comprometer-se com a construção de novas relações entre homens e mulheres. Apropriar-se dele, compreender a dimensão subjetiva desses acontecimentos e manter essa discussão é incluí-lo na vida vivida por nós homens e mulheres, é a possibilidade de construirmos relações solidárias, companheiras, afetivas, que nos permitam comportamentos sexuais muito mais felizes.

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