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quinta-feira, 2 de novembro de 2017

VIOLÊNCIA E CONTEMPORANEIDADE A violência não é uma novidade para a humanidade. Presente em toda nossa história, a violência já foi e é periodicamente usada com a desculpa de que é preciso usa-la justamente para conte-la. Parece contraditório, mas é o que se usa para justificar toda a fúria contra o Estado Islâmico e contra as organizações criminosas que se supõe escondidas nos morros cariocas. Conforme Chauí (2002 p.336,) “A violência é percebida como exercício da força física e da coação psíquica para obrigar alguém a fazer alguma coisa contrária a si, contraria a seus interesses e desejos, contrária a seu corpo e a sua consciência, causando-lhe danos profundos e irreparáveis como a morte, a loucura, a auto agressão, ou a agressão aos outros.” A expressão da violência já foi considerada, e em muitas circunstancias ainda o é, um método socialmente aceito para a defesa pessoal, do patrimônio ou de valores ideológicos e morais, outras vezes, até supostamente éticos. No entanto esse método é cada vez mais criticado pela própria sociedade. Os exemplos mais recentes são as justificativas que foram construídas para que o mundo aceitasse a invasão do Iraque e do Afeganistão. Sob a justificativa de se evitar a utilização de armas que pudessem molestar outros países do mundo, e no segundo caso em defesa da própria população local de um governo autoritário e desrespeitador dos direitos humanos, os dois países foram invadidos, armas de destruição em massa foram utilizadas para atacar os supostos opressores, e uma matança sem fim ainda faz vítimas todos os dias naqueles países, principalmente entre mulheres e crianças. Se por um lado a sociedade procura coibir a violência entre seus membros, buscando o controle dos comportamentos e estabelecendo normas de conduta, por outro, na construção dessas mesmas normas, decidiu-se no Brasil, que as armas podem e devem continuar sendo comercializadas livremente. Alguns países justificam essa decisão, com o jargão da democracia, é o caso dos Estados Unidos, incluindo aí o direito de utilizá-las contra outras pessoas. Assim é importante esclarecer que a violência está longe de ser um comportamento completamente injustificável, o que a humanidade tem feito é construir essas justificativas e regras para o seu uso. Elas se fazem presente sempre que a violência aflige mais de perto, seja porque fomos submetidos a um assalto ou qualquer outro ato, seja porque julgamos necessário seu uso para coibir e reprimir o seu próprio uso, ou a sua presença. A violência hoje se faz presente e na maioria das vezes é utilizada com um poder de destruição muito maior que em outras épocas. Nossa proteção pode estar na distância que nos colocamos da cena. Não é preciso mais montar o cavalo, apontar a lança e correr em direção ao inimigo. O poder de fogo pode ser acionado à distância, usando um controle remoto. Os fuzis são de longo alcance e com miras capazes de acerto ao alvo sem erros. É importante afirmar então que não tratamos aqui de uma doença ou de algo que possamos simplesmente eliminar. A violência estará presente em nossas vidas. Precisamos nos cuidar periodicamente, falar dela sempre, conversar e discuti-la. Pois é na ausência da expressão que ela insurge como ato, como alternativa à falta de um discurso, de uma manifestação. Tentando dar significado a ausência da fala, do diálogo. Nossa relação entre seres humanos sempre foi marcada pela violência. No Brasil temos vivido situações de descontrole da violência em todos os seus aspectos. Violência urbana, violência associada ao tráfico de drogas, violência contra crianças e adolescentes, violência contra as mulheres e contra os idosos. Os números são alarmantes e podem ser acompanhados pelo Mapa da violência (http://www.mapadaviolencia.org.br/) Jurandir Freire Costa (2007) em análise do filme tropa de elite marca uma posição clara sobre a estratégia de combate da violência do tráfico com a violência policial. Combater o comércio de drogas e armas com Bopes é querer extirpar a violência com mais violência, isto é, com mais da mesma coisa. Faz sentido discutir com seriedade se a legalização das drogas ilegais seria um antídoto possível para a situação; insensato é persistirmos vendo o problema pelas lentes dos habitantes desse submundo. Nesta guerra entre aspas, o inimigo não são os infelizes do lado de lá ou do lado de cá; o inimigo é a consciência degradada dos que consideram que, para o populacho, favela está de bom tamanho. Conforme Lisboa (2017) Todos os atentados terroristas do mundo nos cinco primeiros meses de 2017 não superam a quantidade de homicídios registrada no Brasil em três semanas de 2015. Em 498 ataques, 3.314 pessoas morreram, de acordo com levantamento da Esri Story Maps e da PeaceTech Lab. A taxa de homicídios da população negra no Brasil superou em quase 2,5 vezes a da população não negra em 2015, de acordo com o estudo do Ipea e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Conforme os dados do IPEA (2017) A cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. Os homens jovens continuam sendo as principais vítimas: mais de 92% dos homicídios acometem essa parcela da população. Mais de 318 mil jovens foram assassinados no Brasil entre 2005 e 2015. Apenas em 2015, foram 31.264 homicídios de pessoas com idade entre 15 e 29 anos, Fonte: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=30253 Conforme Beato (1999), dentre as teses que buscam explicar a violência temos: É um aspecto dramático do problema do crime no Brasil que ele venha a ser objeto da atenção de nossos governantes somente quando ultrapassar os limites estruturais aos quais está tradicionalmente confinado. Quando estende-se à classe média e à zona sul, imediatamente soam os alarmes da mídia e a indignação das elites. Nesse momento, as pessoas põem-se a especular a respeito das causas da criminalidade a fim de combatê-la. Uma das teses, bastante recorrente, aliás, é a de como o crime estaria "evidentemente" associado à pobreza e à miséria, à marginalidade dos centros urbanos e a processos migratórios. Dentre os marcos legais de controle temos leis que tem como objetivo tipificar e controlar e coibir a violência. São elas: Lei Maria da Penha - LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Estatuto da Criança e do Adolescente - LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. Estatuto do Idoso - LEI No 10.741, DE 1º DE OUTUBRO DE 2003. Lei da Palmada - LEI Nº 13.010, DE 26 DE JUNHO DE 2014. A lei Maria da Penha contribuiu para tipificar os tipos de violência doméstica mais presentes nas queixas policiais. Conforme o art. 7 Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. De diversas alterações no código penal tornando mais severas as penas para crimes hediondos, crimes associados a maus tratos e com motivações fúteis etc. Além disso algumas políticas têm sido deflagradas por diversos estados com diferentes resultados. As UPPs no Rio de Janeiro, o Fica Vivo de Belo Horizonte, programas de combate as drogas, realizados de diferentes maneiras em diferentes estados. Há que se considerar que não temos tido grandes sucessos nas políticas sociais de combate a violência, conforme Beato Filho (1999), duas versões oferecem suporte para diferentes compreensões sobre as razoes desse fracasso. 1 versão A ideia da reforma decorre da crença de que o crime resulta de fatores socioeconômicos que bloqueiam o acesso a meios legítimos de se ganhar a vida. Esta deterioração das condições de vida traduz-se no acesso restrito de alguns setores da população a oportunidades no mercado de trabalho e de bens e serviços, assim como na má socialização a que são submetidos nos âmbitos familiar, escolar e na convivência com subgrupos desviantes. Consequentemente, propostas de controle da criminalidade passam inevitavelmente tanto por reformas sociais de profundidade como por reformas individuais voltadas a reeducar e ressocializar criminosos para o convívio em sociedade. 2 Versão é igualmente forte a crença de que a criminalidade encontra condições ideais de florescimento quando é baixa a disciplina individual e o respeito a normas sociais. Consequentemente, políticas de segurança pública enfatizam a necessidade de uma atuação mais decisiva do Poder Judiciário e das instâncias de controle social. Isto significa legislações mais duras e maior policiamento ostensivo, de forma tal que as punições dos delitos sejam rápidas, certas e severas. Entretanto, conforme o próprio Beato Filho, o que tem se demostrado eficaz são programas que articulam de modo interinstitucional o estado e a sociedade. Buscando apoio nas diversas organizações sociais da sociedade civil envolvidas com o tema, bem com os diversos órgãos governamentais que atuam da educação, saúde, assistência social, defesa social. As diferentes versões para compreensão da violência ainda fortalecem a crítica apontada por Beato Filho de que “Não acreditamos que a mudança de valores das pessoas deva ser objeto de políticas governamentais. ” o mesmo sugere que “ O que deve ser oferecido às pessoas são orientações acerca das consequências de suas ações, tanto em direção ao crime como em relação ao não-crime. “ A violência tem repercussões significativas para a saúde em todas as nossas atividades, qualquer que seja a profissão escolhida. Conforme Minayo (1998) os sanitaristas frequentemente manifestam estranheza ao se depararem com um fenômeno social que causa agravos à saúde, mas não se enquadra com facilidade nos esquemas habituais das disciplinas da saúde coletiva na tradição de um ofício mais voltado para o campo das doenças e sua determinação social. Como profissionais da saúde esse é o nosso desafio, temos muito a compreender e avançar para que possamos encontrar a maneira adequada de abordagem tanto no tratamento quanto nas possibilidades de contribuir para sua prevenção.   Referências Bibliográficas. BEATO FILHO, Cláudio C.. Políticas públicas de segurança e a questão policial. São Paulo Perspec., São Paulo, v. 13, n. 4, p. 13-27, Dec. 1999. Disponível em: . acesso em 08 Sept. 2017. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-88391999000400003. BRASIL, Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm Acesso em 07/09/2017 BRASIL, Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos LEI Nº 13.010, DE 26 DE JUNHO DE 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato 2011-2014/2014/Lei/L13010.htm Acesso em 08/09/2017 BRASIL, Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos LEI No 10.741, DE 1º DE OUTUBRO DE 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.741.htm Acesso em 07/09/2017 BRASIL, Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm Acesso em 06/09/2017 CHAUÍ, Marilena, Convite a Filosofia. 12ₐ edição Ed. Ática, São Paulo, 2002 COSTA, J. F. O ano em que daremos férias à tropa de elite. Nem tudo se perdeu: ainda há o cidadão comum. Jornal Estado de São Paulo, em 07/10/07 LISBOA, V. Os números alarmantes do Atlas da Violência no Brasil. Agencia Brasil, Disponível em: http://www.huffpostbrasil.com/2017/06/05/os-numeros-alarmantes-do-atlas-da-violencia-no-brasil_a_22126725/ Acesso em 06/06/2017 MINAYO, M C. de S. e SOUZA, E. R. de: 'Violência e saúde como um campo interdisciplinar e de ação coletiva'. História, Ciências, Saúde — Manguinhos, IV(3):513-531, nov. 1997-fev. 1998.