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quarta-feira, 27 de abril de 2011

Educação – Violência e Religião –

Educação – Violência e Religião –
27 e 28 de outubro de 2009

Inicialmente gostaria de agradecer ao convite do Núcleo de Estudos em Teologia e dizer que se trata de um desafio enorme tratar desse tema. Espero atender pelo menos em parte essa expectativa. Nesse sentido trouxe um pequeno texto com referencias que encontrei na literatura que pretende contribuir para um dialogo entre nós, articulando Educação, Violência e Religião. Afinal não sou um expert em religião, da educação sou parte dela, como educador, e a violência está presente em nosso dia a dia, nas ruas, no trabalho, nas nossas casas. E por isso mesmo é tema difícil, está muito perto de nós, e apesar dos esforços científicos ainda pouco conhecemos sobre ela.
Por isso, vou pedir licença a vocês para começar minha fala da questão da violência, arriscando aqui abrir um espaço para nossa reflexão, considerando os aspectos da religião e da educação. Afinal é com ela que eu trabalho; Atendendo a mulheres em situação de violência sexual no ambulatório da Maternidade Odete Valadares.
Pretendo em principio fazer uma pergunta para todos nós. É possível prevenir a violência? Isso mesmo! Pergunto sobre a possibilidade de preveni-la, o que significa que certamente ainda não vejo a possibilidade da vida humana sem a sua presença.
Hoje falamos de violência urbana, do transito, nos esportes, a violência policial, a violência no trabalho, a violência contra a pessoa... se quiséssemos poderíamos gastar aqui quase toda a pagina para enumerar os mais diversos tipos de expressão da violência existentes hoje e cada uma delas precisa de um estudo diferenciado para sua compreensão assim como ações do poder público e das pessoas para seu controle ou prevenção. É sem dúvida nenhuma a principal questão nas agendas políticas nos dias atuais. Psicólogos, Psicanalistas, sociólogos, economistas, políticos tem se dedicado ao tema procurando compreender sua motivação, para construir instrumentos eficazes para sua redução.
A violência está presente em nosso cotidiano – inclusive assumindo formas dissimuladas. Ela reina na periferia das grandes cidades, envoltas numa guerra civil diária não assumida pelas autoridades; ela é prevista e legitimada no poder político, isto é, constitui uma das funções do Estado, mesmo o democrático. Qual Estado pode abrir mão do recurso da coerção e de todos os meios necessários para forçar os cidadãos a obedecer a ordem dominante?
É importante considerar um conceito amplo de violência que inclui certamente os métodos de coerção que vão desde a morte, passando pela tortura até a pressão psicológica. Ao consideramos assim, certamente ficará mais fácil compreender porque digo que não é possível a extingui-la da vida humana. É com ela que nos enquadramos na vida social.
Jurandir vai apontar no texto de Freud (1920), Alem do principio do Prazer, a criação do da noção de pulsão de morte, que ao lado da sexualidade, passa a ser considerado um dos elementos primordiais no destino da vida psíquica e social do homem. Freud vai apontar cada vez mais claramente que decorre dos instintos destrutivos humanos a responsabilidade pelo mal-estar da civilização. Em outros textos, Freud vai abordar a violência na cultura, nas instituições e os movimentos necessários para conter essa pulsão.
Freud vai apontar exatamente a posição de um mundo pulsional aético, amoral, sobre o qual se assentam de um modo precário a ética e a moral. Assim os valores culturais vão nascer da necessidade de impor limites às pulsões, sem que necessariamente de fato as tenhamos completamente controladas.
Buscando uma contribuição de Bourdieu e Passeron(1975): Vamos encontrar que:
Toda ação pedagógica é objetivamente uma violência simbólica enquanto imposição, por um poder arbitrário, de um arbitrário cultural. (p.20-23)
Assim a toda ação pedagógica, impõe, reproduz, seleciona, exclui certas significações arbitradas por um grupo, ou classe que as define com dignas de serem reproduzidas.
Jurandir F. Costa vai concluir do texto de Bourdieu que sem violência não há cultura. Cultura é a imposição violenta de uma seleção arbitraria de significações, sendo assim, a violência uma propriedade da cultura, mais ainda é moto-propulsor da reprodução cultural.
Falamos assim da violência como parte do processo educativo, da formação e constituição dos sujeitos. Herança constitutiva da vida social, regras de um jogo as quais temos que nos submeter para que possamos jogar. Todos nós nascemos numa comunidade, com leis pré-existentes a nós, às quais obedecemos para que possamos fazer parte desse mundo. Ao longo de nossa existência podemos discordar delas, e querer mudá-las, revolucionariamente, ou criando uma exceção para nós como fazem os criminosos. Entretanto não podemos negá-las, pois isso seria se negar a entrar na comunidade humana. (Arentd,

Na troca de cartas entre os dois grandes estudiosos do século XX FREUD e EISNTEIN, em “porque as guerras” fica evidente o desânimo dos dois em relação ao tema. Freud vai dizer que a violência não tem outra causa senão a satisfação dos impulsos e desejos destrutivos do homem. A qualidade desses motivos, vis ou nobres, são apenas racionalizações, com objetivo de justificar, perante a consciência a existência desta destrutividade.
Em outra carta vai apontar a Einstein que as guerras só poderiam ser evitadas se a humanidade se unisse para estabelecer uma autoridade central a qual seria conferido o direito de arbitrar todos os conflitos de interesse. Vale assim dizer um controle externo acima dos humanos, (uma violência). Certamente nenhum pouco democrático.
Vemos assim a lei e o direito como força da comunidade, instancia máxima de decisões, onde não mais prevalece a violência individual contra outro individuo, mas a violência de uma comunidade.

O mesmo vale para tratarmos da questão religiosa, nossa civilização se ergue sobre elas e a manutenção da sociedade humana se baseia na crença da maioria dos homens na verdade dessas doutrinas. Ao identificar as doutrinas religiosas como ilusões, somos imediatamente defrontados por outra questão: não poderiam ser de natureza semelhante a outros predicados culturais de que fazemos alta opinião e pelos quais deixamos nossas vidas serem governadas? Entretanto sabemos que a inculcação dessas verdades não se faz sem violência.
Na história das religiões, inclusive do cristianismo, as guerras para garantir do direito de credo ou a expansão da crença, sempre acompanharam a vida dos homens, e sempre com justificativas bastante humanizadas.
É importante lembrar que a guerra santa não á uma característica da contemporaneidade. Há poucos séculos, reis católicos e a Inquisição em vários países perseguirem protestantes e ateus. Henrique VIII, na Inglaterra, enforcava católicos. Lutero foi encarcerado pelo Papa, enquanto Joana D'Arc era declara bruxa e queimada na fogueira. Também houve época em que os maometanos invadiram a Europa e empalaram cristãos em louvor a Maomé. Não podemos esquecer que o Império Romano alimentou leões com carne cristã durante muitos séculos.
Durante as Cruzadas, se matou em nome de Cristo, e o resultado foi a ampliação do poderio econômico da Igreja Católica através de bens e terras.
Nos dias de hoje, temos a guerra santa do radicalismo islâmico destruindo as torres gêmeas, impondo interpretações ao Alcorão como forma de opressão ao povo do Afeganistão, do Iraque, do Irã. A sociedade do espetáculo, onde essas guerras, através dos foguetes teleguiados cruzando os céus palestinos, a queda do helicóptero da policia por traficantes, as ações ousadas realizadas pelo crime organizado, faz da guerra em si mesma não apenas um evento religioso, econômico e político-social da mais alta importância, envolvendo seres humanos que sofrem e/ou são aniquilados, como também mais um artigo de consumo, produto da indústria cultural, que vende jornais ou torna o horário nobre com o minuto de propaganda com preços inacreditáveis. (Belloni 2004)
O Fundamentalismo Religioso – adesão rigorosa a um conjunto de princípios ou de crenças. Apenas uma visão de mundo é correta e é a deles. Não há ambigüidades, não há múltiplas interpretações. A esse movimento surge no mundo a preocupação em separar as comunidades políticas, das religiosas.
No Brasil a constituição de 1988 marca uma posição firme quando ao reconhecimento do Brasil como um estado laico. Decisão essa que se repercute nas legislações.
A Lei nº 9.475, de 22 de julho de 1997 dá nova redação ao Artigo 33 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabeleceu as diretrizes e bases da educação nacional, ou seja:
“O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo”.

Essa preocupação se expressa ao redor do mundo em função dos receios dos conflitos religiosos.
Na França recentemente, o Parlamento Francês proibiu o uso de símbolos religiosos ostensivos nas escolas públicas, o fez em defesa do caráter laico do Estado. Para alguns se trata de uma visão e postura discriminatória em relação ao uso de símbolos religiosos por parte dos alunos, reduz a escola a um santuário, uma espécie de igreja, na qual os alunos têm de tirar tudo que representa o sagrado. Afinal outros símbolos da contemporaneidade e do consumo como Nike, Coca-Cola, não foram separados. A escola deve ser um lugar para todos, indistintamente, um lugar de todos os cidadãos com todas as suas diferenças e especificidades. O Estado aceita as diferenças de diversidades culturais religiosas com a condição de que se respeitem as regras de convivência comuns a todos. E não há nada nos símbolos religiosos usados por alunos que vá contra essas regras comuns.
Entretanto não se observa ainda a capacidade de tolerância à existência desses símbolos, é por eles que se pratica o Bulling, ou como falamos em português, Zoar, brigar, mexer, etc. É exatamente na intolerância que se constrói a idéia da proibição.
Essa tem sido uma prática comum da humanidade, quando não conseguimos conviver com as diferenças, optamos por segregá-las, já se fez isso com os hansenianos, com os loucos, com os mais diversos grupos religiosos.
Parece contraditório que a escola, lócus privilegiado da formação opte pela exclusão como forma de enfrentar o problema da convivência com os diferentes e desviantes.
Talvez seja ai que resida nossa possibilidade de intervenção. Possibilidade essa ainda não reconhecida pelas religiões, pela escola.
No mesmo dialogo com Einstein, Freud vai dizer que a violência aparece domesticável pela ação da civilização. Parece contraditória que como seres humanos, sejamos senhores da guerra, mas também senhores da Paz. Isso por que somos obrigados a sê-lo, como forma de nossa própria preservação.
“dentre as características psicológicas da civilização, duas aparecem como as mais importantes: o fortalecimento do intelecto, que esta começando a governar a vida instintual, e a internalização dos impulsos agressivos com todas as suas conseqüentes vantagens e perigos”.
Lacan importante psicanalista na releitura dos textos de Freud vai dizer que onde falta a palavra vem o ATO. Ou seja, quando falta a possibilidade de dialogo entre os cidadãos.
A palavra é construída com os atributos que a cultura oferece, quanto mais ela oferece mais nos habilita a compreender a complexidade da vida.
Tudo que estimula o crescimento da civilização trabalha simultaneamente contra a guerra.
É a ação civilizatória que nos coloca no lugar da busca pela paz. Pois o processo civilizatório aponta duas características psicológicas importantes, o fortalecimento do intelecto e a internalização dos impulsos agressivos, com todas as suas conseqüentes vantagens e perigos.
Hannah Arendt vai dizer que “a incapacidade de pensar está intimamente ligada à questão do mal, pensar é diferente de conhecer, e é o único instrumento a prevenir o mal. O pensamento é construção, questionamento, é filosofia, e só a filosofia pode trazer alguma luz ao problema do mal.
Walter Benjamim, citado por Costa, analisando a possibilidade de uma saída não violenta entre os homens vai apontar o dialogo como o melhor exemplo, o acordo civil.
No texto de Jurandir, “A linguagem sendo o mediador universal e imprescindível entre o passado, o presente e o futuro, é a condição necessária para que os homens ajam de comum acordo e mantenham viva a ordem cultural que lhes assegura a sobrevida, enquanto seres sociais.
Freud deixa sem resposta a pergunta de Einstein de porque algumas pessoas dentre eles se revoltam tão violentamente contra as guerras. Costa ousa uma resposta,
Nos voltamos contra a violência porque sabemos que nada que o homem fez e que o torna humano nasceu da violência e sim contra ela.
Consideramos a violência repulsiva, não apenas porque ela e através dela o homem mostra-se mortalmente destrutivo, mas porque sabemos que a vida cultural nasceu e permanece viva através de pactos sem violência, através de atos pela paz.
Ficamos com a certeza que não se esgota aqui essa discussão. O uso da palavra não tem sido exercido de forma efetiva entre os seres humanos. Muito embora seja otimista, e acredite que o caminho apontado merece ser seguido. As estratégias, pouco democráticas, totalitárias, dogmáticas, não contribuem com o dialogo. E só o dialogo pode evitar o ato violento.

Muito obrigado.
Francisco José Machado Viana

Mulher: subjetividade e direitos Violência sexual: Há como reparar esse dano?

A situação da violência tem sido motivo de preocupações tanto por parte das autoridades quanto da população em geral, que atualmente a aponta como problema prioritário para as agendas políticas.
As cenas de violência contra a mulher já ganharam importância nacional e ocuparam, em passado recente, a tele-dramaturgia, o cinema, livros e outros meios de comunicação.
No campo dos direitos, poderíamos comemorar as mudanças, já que não existem do ponto de vista jurídico diferenças entre homens e mulheres desde a constituição de 1988. Entretanto mudanças ainda se fazem necessárias nas leis que compõe o ordenamento jurídico brasileiro, tanto o código civil quanto o código penal precisam acompanhar as discussões e avanços promovidos pela sociedade brasileira.
Se no campo do direito a reparação dessa injustiça se faz presente, o mesmo não se pode dizer no campo social, econômico e das relações como os homens.
No campo econômico, o trabalho no modo de produção capitalista passa a ser uma atividade não somente dos homens e sim de uma das classes segundo as quais se dá a inserção dos indivíduos no sistema social.
É na passagem para o capitalismo que as mulheres são incluídas como pertencentes à mesma classe social, a dos “trabalhadores”. Para o capitalismo todos são iguais, nas condições para a exploração da mão de obra.
Em princípio, conforme aponta Eagleton (2005), o capitalismo gera um credo impecavelmente inclusivo: a estrutura social não faz distinções para explorar. Além disso, nela se legitima numa admirável e igualitária disposição para incluir qualquer um, homem ou mulher, na rede dos “mercados”, na qual se pode mascatear produtos e serviços a um maior número de pessoas. (Viana e al 2006).
Embora saibamos que não é exatamente isso que acontece na realidade, pois não há igualdade neste tratamento, já que homens e mulheres têm salários diferentes para a mesma função e normalmente os homens têm salários melhores.
O exercício da violência assim pode assumir contornos simbólicos, sua expressão pode apenas se apresentar com as diferenças de oportunidades de ocupação de lugares na sociedade, seja no trabalho, na vida pública ou no acesso aos bens produzidos por essa sociedade.
Ainda assim é no campo das relações entre os homens que a vida fica mais complicada.
O tema da violência e sua percepção como quase inaceitável na vida social é algo da vida contemporânea. A expressão da violência já foi considerada e em muitas circunstancias ainda o é, um método socialmente aceito para a defesa pessoal, do patrimônio ou de valores ideológicos e morais, outras vezes, até supostamente éticos. No entanto esse método é cada vez mais criticado pela própria sociedade.
Os exemplos mais recentes são as justificativas que foram construídas para que o mundo aceitasse a invasão do Iraque e do Afeganistão. Sob a justificativa de se evitar a utilização de armas que pudessem molestar outros paises do mundo, e no segundo caso em defesa da própria população local de um governo autoritário e desrespeitador dos direitos humanos, os dois países foram invadidos, armas de destruição em massa foram utilizadas para atacar os supostos opressores, e uma matança sem fim ainda faz vítimas todos os dias naqueles paises, principalmente entre mulheres e crianças.
Se por um lado a sociedade procura coibir a violência entre seus membros, buscando o controle dos comportamentos, estabelecendo normas de conduta, por outro, na construção dessas mesmas normas, decidiu-se no Brasil, que as armas podem e devem continuar sendo comercializadas livremente. Alguns paises justificam essa decisão, com o jargão da democracia, é o caso dos Estados Unidos, incluindo ai o direito de utilizá-las contra outras pessoas. Assim é importante esclarecer que a violência está longe de ser um comportamento completamente injustificável, o que a humanidade tem feito é construir essas justificativas e regras para o seu uso. Elas se fazem presente sempre que a violência aflige mais de perto, seja porque fomos submetidos a ela por um assalto ou qualquer outro ato, seja porque julgamos necessário seu uso para coibir, reprimir, o seu próprio uso, ou a sua presença. (o caso do menino do Rio de Janeiro reacende a discussão sobre a maioridade penal)
A violência hoje se faz presente e na maioria das vezes é utilizada com um poder de destruição muito maior que em outras épocas. Nossa proteção pode estar na distancia que nos colocamos da cena. Não é preciso mais montar o cavalo, apontar a lança e correr em direção ao inimigo. O poder de fogo pode ser acionado à distancia, usando um controle remoto.
É importante afirmar então que não tratamos aqui de uma doença ou de algo que possamos simplesmente acabar com ela.
A violência estará presente em nossas vidas. Precisamos nos cuidar periodicamente, falar dela sempre, conversar e discutir sobre ela. Pois é na ausência da expressão que ela insurge como ato, como alternativa à falta de um discurso, de uma manifestação. Tentando dar significado a ausência da fala, do diálogo. Nossa relação entre os seres humanos sempre foi marcada pela violência.
No que diz respeito à violência contra a mulher, ou mais amplamente falando da violência de gênero, esta não pode ser tratada de outra forma.
Vale lembrar que a condição de submissão à vontade masculina já podia ser percebida dos textos mais antigos da civilização grega do séc. XIII a.C.. Em “Ilíada” a mulher aparece como espólio das guerras entre as cidades. Na Roma antiga, também aos vencedores eram distribuídas as mulheres para ficarem aos seus serviços. Durante toda a idade média, a mulher tem seu corpo escondido sobre as vestes sagradas, entretanto nenhuma condição diferenciada lhe é apresentada, não alcança nenhuma autonomia no campo da escolha quanto ao seu parceiro muito menos o momento que deseja o ato sexual.
Conforme Jacqueline Pitanguy é importante lembrar que a violência de gênero não tinha existência social no Brasil. A tese da legitima defesa da honra, fez historia em nosso meio, produziu, vídeos, livros, artigos, teses e até filmes. Deve-se lembrar que a naturalização da valorização do masculino em detrimento ao feminino está presente nas historias infantis, na proteção e valorização especial dada aos fetos de sexo masculinos, passando pela incorporação de leis, práticas que institui e reconhece essa desigualdade como natural nos diversos campos da vida pública e privada.
Assim sempre chamamos os meninos para as chamadas tarefas pesadas, e os desobrigamos das tarefas domesticas, assim como sempre chamamos as meninas para as tarefas domesticas e naturalmente desobrigamos aos meninos de se preocupar com estas questões. Formamos homens e mulheres para que tratem as relações sexuais de forma diferente. Educamos os homens para terem uma suposta necessidade biológica diferente das mulheres em relação ao sexo. Preparamos nossas mulheres para associar sempre o ato sexual com afetividade, amor, paixão. Controlamos as meninas quanto aos namoros, e deixamos os meninos à solta. E mais “nossa sociedade tem uma frase para isso, prenda suas cabritas porque meu bode está solto”. É assim que construímos os comportamentos de homens e mulheres, desde pequenos, nas pequenas coisas, sempre supondo que nossas mulheres são mais frágeis, que não sabem fazer coisas “de homem”. E sempre supondo que nossos homens são mais fortes, preparados, mais capazes de enfrentar situações as quais ele também não gostaria e que é considera um peso grande a carregar. Essas construções subjetivas forjam homens e mulheres, estabelecem papeis, que são desempenhados ao longo de nossas vidas.
Temos construído a partir da diferença biológica que define sexos um conjunto de valores, atitudes, normas e comportamentos, que são atribuídos a homens e mulheres, mas que não são naturais desses mesmos homens e mulheres. (PITANGUY, 2003) Aprendemos a ser homens e mulheres. Homens que não choram, e mulheres que não sobem em arvores. Homens que precisam de sexo, e por isso visitam e aprendem as virtudes do amor nas casas de prostituição ou com as ficantes e mulheres que devem guardar seu corpo para o seu amor, ou para seu príncipe.
Reparar o dano do ponto de vista jurídico seria fácil não fossem as dificuldades para o julgamento do caso numa sociedade que tratava até meses atrás esses crimes como de menor potencial de dano. Afinal a responsabilidade do agressor é clara. Resta à pessoa agredida, lidar com as conseqüências da experiência vivida. Entretanto, a multiplicidade de dimensões implicadas pelo prejuízo sofrido, a reparação suposta não se efetiva nem de forma parcial.
Alem da dificuldade de retomada da vida afetiva, do trabalho, dos estudos, temos observado que várias mulheres relatam um sentimento de culpa pelo acontecido. Sentimento esse que precisa ser compreendido no intricado relacionamento entre homem-mulher, macho-fêmea, masculino-feminino. Jurandir Freire (1984) conceitua culpa como uma resposta à uma infração do que se supõe seja uma norma reconhecida.
Qual infração Qual norma (estar ai, naquela hora naquele lugar)
Os seres humanos, assim como outros animais tem se esmerado para cumprir os rituais da sedução. Não há duvidas que homens e mulheres vão aos salões de beleza, compram roupas, cuidam do corpo, se vestem para os outros. São elementos que fazem parte da vida vivida por homens e mulheres.
O estupro nos trás para consideração as categorias sedução e perversão. Categorias subjetivas que apontam três elementos importantes: o direito feminino à sedução por “ser mulher”; a fantasia masculina (ela me seduz, portanto ela quer); e a real manifestação dessa fantasia em ato (o estupro em si), à revelia da escolha desse sujeito para o exercício do direito ao ato sexual.
Esses elementos nos ajudam a compreender que frases como a essa hora, nesse lugar e vestida desse jeito... apontam claramente para uma idéia que existe uma mulher que não deveria estar ali, - ah! Ai está a infração, (o que aponta ao outro o direito perverso de estuprá-la, afinal a construção do masculino aponta para a permanência, de maneira escamoteada, da representação antiga do direito do macho, como troféu, e que vestida daquele jeito denuncia sua condição de mulher que, por direito pode endereçar a sedução para quem quer que escolha, mas que naquele momento, naquela hora não havia endereçado ao estuprador, ainda que ele assim acredite.
Essa conjunção de elementos torna ainda mais sofrida as possibilidade de re-significação da cena e a retomada da vida. Temos percebido que o reconhecimento dessa trama é essencial para dar um novo significado para o acontecimento.
Tudo isso fica mais difícil quanto mais introjetado está os pré-conceitos, as dúvidas sobre a versão apresentada nas delegacias e serviços, as dificuldades de reconhecimentos dos direitos das mulheres de trabalhar, estudar, sair, namorar, dirigir suas energias para o que bem entenda e para quem deseje.
A violência então não se resume ao ato sexual roubado. Mas vai alem, passa pela desconfiança na historia contada por ela na delegacia ou no serviço de saúde, passa pela sua própria dúvida, se não deveria ter feito algo, já que a cobrança social impõe que ela tivesse feito algo para impedir o abuso. (talvez até não infringir a norma)
É difícil falar em reparação, e difícil pensar que um acontecimento desses pode ser esquecido. Entretanto ele precisa ser re-significado, o estupro precisa ser compreendido como responsabilidade social, sua descaracterização como ato particular, individual,(problema dela) permitirá essa mulher compreender que não se trata de uma culpa sua. Não houve infração. Pois não há infração no usufruto do direito constitucional de ir e vir a qualquer hora e vestida como lhe convier. Ou na verdade como exige o trabalho, a escola, pois é vestida desse jeito que a maioria se encontra que estão no trajeto para o trabalho ou para escola.

Toda violência como comportamento que precisa ser monitorado pela sociedade. Não pode ser tratado como natural. Coisa de homem, macho.
Tratar desse tema é comprometer-se com a construção de novas relações entre homens e mulheres. Apropriar-se dele, compreender a dimensão subjetiva desses acontecimentos e manter essa discussão é incluí-lo na vida vivida por nós homens e mulheres, é a possibilidade de construirmos relações solidárias, companheiras, afetivas, que nos permitam comportamentos sexuais muito mais felizes.
Não podemos, entretanto nos afastar de uma caminhada maior, como nos aponta Jorge lambrim,

“Mientras no construjamos uma sociedad igualitária e basada em el respecto y el amor, la mujer y tambiem los ninos seguirám siendo estructuralmente maltratados”

Obrigado,

Francisco José Machado Viana
Congresso Norte e Nordeste, Maceió, Maio de 2007