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quarta-feira, 27 de abril de 2011

Educação – Violência e Religião –

Educação – Violência e Religião –
27 e 28 de outubro de 2009

Inicialmente gostaria de agradecer ao convite do Núcleo de Estudos em Teologia e dizer que se trata de um desafio enorme tratar desse tema. Espero atender pelo menos em parte essa expectativa. Nesse sentido trouxe um pequeno texto com referencias que encontrei na literatura que pretende contribuir para um dialogo entre nós, articulando Educação, Violência e Religião. Afinal não sou um expert em religião, da educação sou parte dela, como educador, e a violência está presente em nosso dia a dia, nas ruas, no trabalho, nas nossas casas. E por isso mesmo é tema difícil, está muito perto de nós, e apesar dos esforços científicos ainda pouco conhecemos sobre ela.
Por isso, vou pedir licença a vocês para começar minha fala da questão da violência, arriscando aqui abrir um espaço para nossa reflexão, considerando os aspectos da religião e da educação. Afinal é com ela que eu trabalho; Atendendo a mulheres em situação de violência sexual no ambulatório da Maternidade Odete Valadares.
Pretendo em principio fazer uma pergunta para todos nós. É possível prevenir a violência? Isso mesmo! Pergunto sobre a possibilidade de preveni-la, o que significa que certamente ainda não vejo a possibilidade da vida humana sem a sua presença.
Hoje falamos de violência urbana, do transito, nos esportes, a violência policial, a violência no trabalho, a violência contra a pessoa... se quiséssemos poderíamos gastar aqui quase toda a pagina para enumerar os mais diversos tipos de expressão da violência existentes hoje e cada uma delas precisa de um estudo diferenciado para sua compreensão assim como ações do poder público e das pessoas para seu controle ou prevenção. É sem dúvida nenhuma a principal questão nas agendas políticas nos dias atuais. Psicólogos, Psicanalistas, sociólogos, economistas, políticos tem se dedicado ao tema procurando compreender sua motivação, para construir instrumentos eficazes para sua redução.
A violência está presente em nosso cotidiano – inclusive assumindo formas dissimuladas. Ela reina na periferia das grandes cidades, envoltas numa guerra civil diária não assumida pelas autoridades; ela é prevista e legitimada no poder político, isto é, constitui uma das funções do Estado, mesmo o democrático. Qual Estado pode abrir mão do recurso da coerção e de todos os meios necessários para forçar os cidadãos a obedecer a ordem dominante?
É importante considerar um conceito amplo de violência que inclui certamente os métodos de coerção que vão desde a morte, passando pela tortura até a pressão psicológica. Ao consideramos assim, certamente ficará mais fácil compreender porque digo que não é possível a extingui-la da vida humana. É com ela que nos enquadramos na vida social.
Jurandir vai apontar no texto de Freud (1920), Alem do principio do Prazer, a criação do da noção de pulsão de morte, que ao lado da sexualidade, passa a ser considerado um dos elementos primordiais no destino da vida psíquica e social do homem. Freud vai apontar cada vez mais claramente que decorre dos instintos destrutivos humanos a responsabilidade pelo mal-estar da civilização. Em outros textos, Freud vai abordar a violência na cultura, nas instituições e os movimentos necessários para conter essa pulsão.
Freud vai apontar exatamente a posição de um mundo pulsional aético, amoral, sobre o qual se assentam de um modo precário a ética e a moral. Assim os valores culturais vão nascer da necessidade de impor limites às pulsões, sem que necessariamente de fato as tenhamos completamente controladas.
Buscando uma contribuição de Bourdieu e Passeron(1975): Vamos encontrar que:
Toda ação pedagógica é objetivamente uma violência simbólica enquanto imposição, por um poder arbitrário, de um arbitrário cultural. (p.20-23)
Assim a toda ação pedagógica, impõe, reproduz, seleciona, exclui certas significações arbitradas por um grupo, ou classe que as define com dignas de serem reproduzidas.
Jurandir F. Costa vai concluir do texto de Bourdieu que sem violência não há cultura. Cultura é a imposição violenta de uma seleção arbitraria de significações, sendo assim, a violência uma propriedade da cultura, mais ainda é moto-propulsor da reprodução cultural.
Falamos assim da violência como parte do processo educativo, da formação e constituição dos sujeitos. Herança constitutiva da vida social, regras de um jogo as quais temos que nos submeter para que possamos jogar. Todos nós nascemos numa comunidade, com leis pré-existentes a nós, às quais obedecemos para que possamos fazer parte desse mundo. Ao longo de nossa existência podemos discordar delas, e querer mudá-las, revolucionariamente, ou criando uma exceção para nós como fazem os criminosos. Entretanto não podemos negá-las, pois isso seria se negar a entrar na comunidade humana. (Arentd,

Na troca de cartas entre os dois grandes estudiosos do século XX FREUD e EISNTEIN, em “porque as guerras” fica evidente o desânimo dos dois em relação ao tema. Freud vai dizer que a violência não tem outra causa senão a satisfação dos impulsos e desejos destrutivos do homem. A qualidade desses motivos, vis ou nobres, são apenas racionalizações, com objetivo de justificar, perante a consciência a existência desta destrutividade.
Em outra carta vai apontar a Einstein que as guerras só poderiam ser evitadas se a humanidade se unisse para estabelecer uma autoridade central a qual seria conferido o direito de arbitrar todos os conflitos de interesse. Vale assim dizer um controle externo acima dos humanos, (uma violência). Certamente nenhum pouco democrático.
Vemos assim a lei e o direito como força da comunidade, instancia máxima de decisões, onde não mais prevalece a violência individual contra outro individuo, mas a violência de uma comunidade.

O mesmo vale para tratarmos da questão religiosa, nossa civilização se ergue sobre elas e a manutenção da sociedade humana se baseia na crença da maioria dos homens na verdade dessas doutrinas. Ao identificar as doutrinas religiosas como ilusões, somos imediatamente defrontados por outra questão: não poderiam ser de natureza semelhante a outros predicados culturais de que fazemos alta opinião e pelos quais deixamos nossas vidas serem governadas? Entretanto sabemos que a inculcação dessas verdades não se faz sem violência.
Na história das religiões, inclusive do cristianismo, as guerras para garantir do direito de credo ou a expansão da crença, sempre acompanharam a vida dos homens, e sempre com justificativas bastante humanizadas.
É importante lembrar que a guerra santa não á uma característica da contemporaneidade. Há poucos séculos, reis católicos e a Inquisição em vários países perseguirem protestantes e ateus. Henrique VIII, na Inglaterra, enforcava católicos. Lutero foi encarcerado pelo Papa, enquanto Joana D'Arc era declara bruxa e queimada na fogueira. Também houve época em que os maometanos invadiram a Europa e empalaram cristãos em louvor a Maomé. Não podemos esquecer que o Império Romano alimentou leões com carne cristã durante muitos séculos.
Durante as Cruzadas, se matou em nome de Cristo, e o resultado foi a ampliação do poderio econômico da Igreja Católica através de bens e terras.
Nos dias de hoje, temos a guerra santa do radicalismo islâmico destruindo as torres gêmeas, impondo interpretações ao Alcorão como forma de opressão ao povo do Afeganistão, do Iraque, do Irã. A sociedade do espetáculo, onde essas guerras, através dos foguetes teleguiados cruzando os céus palestinos, a queda do helicóptero da policia por traficantes, as ações ousadas realizadas pelo crime organizado, faz da guerra em si mesma não apenas um evento religioso, econômico e político-social da mais alta importância, envolvendo seres humanos que sofrem e/ou são aniquilados, como também mais um artigo de consumo, produto da indústria cultural, que vende jornais ou torna o horário nobre com o minuto de propaganda com preços inacreditáveis. (Belloni 2004)
O Fundamentalismo Religioso – adesão rigorosa a um conjunto de princípios ou de crenças. Apenas uma visão de mundo é correta e é a deles. Não há ambigüidades, não há múltiplas interpretações. A esse movimento surge no mundo a preocupação em separar as comunidades políticas, das religiosas.
No Brasil a constituição de 1988 marca uma posição firme quando ao reconhecimento do Brasil como um estado laico. Decisão essa que se repercute nas legislações.
A Lei nº 9.475, de 22 de julho de 1997 dá nova redação ao Artigo 33 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabeleceu as diretrizes e bases da educação nacional, ou seja:
“O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo”.

Essa preocupação se expressa ao redor do mundo em função dos receios dos conflitos religiosos.
Na França recentemente, o Parlamento Francês proibiu o uso de símbolos religiosos ostensivos nas escolas públicas, o fez em defesa do caráter laico do Estado. Para alguns se trata de uma visão e postura discriminatória em relação ao uso de símbolos religiosos por parte dos alunos, reduz a escola a um santuário, uma espécie de igreja, na qual os alunos têm de tirar tudo que representa o sagrado. Afinal outros símbolos da contemporaneidade e do consumo como Nike, Coca-Cola, não foram separados. A escola deve ser um lugar para todos, indistintamente, um lugar de todos os cidadãos com todas as suas diferenças e especificidades. O Estado aceita as diferenças de diversidades culturais religiosas com a condição de que se respeitem as regras de convivência comuns a todos. E não há nada nos símbolos religiosos usados por alunos que vá contra essas regras comuns.
Entretanto não se observa ainda a capacidade de tolerância à existência desses símbolos, é por eles que se pratica o Bulling, ou como falamos em português, Zoar, brigar, mexer, etc. É exatamente na intolerância que se constrói a idéia da proibição.
Essa tem sido uma prática comum da humanidade, quando não conseguimos conviver com as diferenças, optamos por segregá-las, já se fez isso com os hansenianos, com os loucos, com os mais diversos grupos religiosos.
Parece contraditório que a escola, lócus privilegiado da formação opte pela exclusão como forma de enfrentar o problema da convivência com os diferentes e desviantes.
Talvez seja ai que resida nossa possibilidade de intervenção. Possibilidade essa ainda não reconhecida pelas religiões, pela escola.
No mesmo dialogo com Einstein, Freud vai dizer que a violência aparece domesticável pela ação da civilização. Parece contraditória que como seres humanos, sejamos senhores da guerra, mas também senhores da Paz. Isso por que somos obrigados a sê-lo, como forma de nossa própria preservação.
“dentre as características psicológicas da civilização, duas aparecem como as mais importantes: o fortalecimento do intelecto, que esta começando a governar a vida instintual, e a internalização dos impulsos agressivos com todas as suas conseqüentes vantagens e perigos”.
Lacan importante psicanalista na releitura dos textos de Freud vai dizer que onde falta a palavra vem o ATO. Ou seja, quando falta a possibilidade de dialogo entre os cidadãos.
A palavra é construída com os atributos que a cultura oferece, quanto mais ela oferece mais nos habilita a compreender a complexidade da vida.
Tudo que estimula o crescimento da civilização trabalha simultaneamente contra a guerra.
É a ação civilizatória que nos coloca no lugar da busca pela paz. Pois o processo civilizatório aponta duas características psicológicas importantes, o fortalecimento do intelecto e a internalização dos impulsos agressivos, com todas as suas conseqüentes vantagens e perigos.
Hannah Arendt vai dizer que “a incapacidade de pensar está intimamente ligada à questão do mal, pensar é diferente de conhecer, e é o único instrumento a prevenir o mal. O pensamento é construção, questionamento, é filosofia, e só a filosofia pode trazer alguma luz ao problema do mal.
Walter Benjamim, citado por Costa, analisando a possibilidade de uma saída não violenta entre os homens vai apontar o dialogo como o melhor exemplo, o acordo civil.
No texto de Jurandir, “A linguagem sendo o mediador universal e imprescindível entre o passado, o presente e o futuro, é a condição necessária para que os homens ajam de comum acordo e mantenham viva a ordem cultural que lhes assegura a sobrevida, enquanto seres sociais.
Freud deixa sem resposta a pergunta de Einstein de porque algumas pessoas dentre eles se revoltam tão violentamente contra as guerras. Costa ousa uma resposta,
Nos voltamos contra a violência porque sabemos que nada que o homem fez e que o torna humano nasceu da violência e sim contra ela.
Consideramos a violência repulsiva, não apenas porque ela e através dela o homem mostra-se mortalmente destrutivo, mas porque sabemos que a vida cultural nasceu e permanece viva através de pactos sem violência, através de atos pela paz.
Ficamos com a certeza que não se esgota aqui essa discussão. O uso da palavra não tem sido exercido de forma efetiva entre os seres humanos. Muito embora seja otimista, e acredite que o caminho apontado merece ser seguido. As estratégias, pouco democráticas, totalitárias, dogmáticas, não contribuem com o dialogo. E só o dialogo pode evitar o ato violento.

Muito obrigado.
Francisco José Machado Viana

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